A CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Covid ouve nesta terça-feira (4) o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, demitido em abril de 2020 por se contrapor ao presidente Jair Bolsonaro na forma de lidar com a pandemia do novo coronavírus.
Mandetta iniciou sua fala, com quase uma hora de atraso, explicando como chegaram ao ministério as primeiras informações, em janeiro de 2020, sobre uma doença que tinha início na China e que aos poucos ia se alastrando pelo mundo. Ele contou que chamou todos os poderes para explicar a importância do combate à pandemia de forma unida. "Porque esse vírus não ataca indivíduos, ele ataca a sociedade."
O ex-ministro explicou ainda as primeiras ações da pasta para conter a propagação do vírus no Brasil e teve de ser interrompido, após 20 minutos, pelo presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), que preferiu abrir espaço para as perguntas.
Renan Calheiros, relator da CPI, perguntou a Mandetta se, durante sua gestão, a recomendação para procurar os sistemas de saúde apenas quando sentissem sintomas graves de covid foi um erro.
Mandetta afirmou que não é verdade essa recomendação, e que afirmação é usada numa "guerra de narrativas". Segundo ele, as pessoas procuravam os hospitais preocupadas com outras doenças. "Eram casos de outros vírus. Em casos de virose, a recomendação é que você observe o estado de saúde e não vá imediatamente ao hospital porque aglomera. E lá, sim, um caso positivo vai infectar todo mundo na sala de espera."
"Todas as nossas recomendações foram assertivas, levando em conta a ciência. Todas foram comprovadas pelo decorrer da doença."
De acordo com Mandetta, o decorrer da pandemia mostrou que algumas ações do ministério foram paralisadas. Mais tarde ele disse que as testagens em massa foram abandonadas por seus sucessores na Saúde, o desenvolvimento da telemedicina como porta de entrada para o sistema, o plano de acompanhamento dos infectados e a orientação de uma pesquisa sobre a cloroquina que "o próximo ministro fez uma portaria mesmo sem ter os resultados".
Ele citou que sua gestão estimulou o uso de máscaras e o distanciamento, assim como pediu para as pessoas ficarem em casa. Mandetta citou ainda o esforço para obter respiradores e leitos de UTI para evitarem o colapso do sistema de Saúde.
Renan cobrou o ex-ministro perguntando por qual motivo não foi iniciada uma política de testagem em massa da população.
Ele disse que a chegada dos produtos ocorreu apenas na gestão de seu sucessor, Nelson Teich.
Mandetta elogiou o SUS (Sistema Único de Saúde) e disse que ele é o melhor local para se imunizar a população. "Mas é preciso ter a vacina."
Resistência do presidente
Ele afirmou que a orientação de isolamento era essencial também no início da pandemia, mas faltou uma fala única do governo. "Nós fizemos as recomendações em três pilares: vamos preservar a vida, SUS e ciência. Eu vi vários que ficaram fora desse tripé."
Questionado de onde partiu a resistência, ele disse que isso "ocorreu publicamente por vários atores".
Ele afirmou que discordava do presidente da República, Jair Bolsonaro. "Nunca discuti com o presidente. Nunca tive discussão áspera, mas sempre as coloquei [suas discordâncias] de maneira muito clara."
"Ali não era uma questão de diferenças políticas. Ali era um momento republicano." Mandetta afirmou que conversava com governadores para que todos saíssem juntos da pandemia.
Mandetta afirmou que chegou a ficar constrangido com algumas situações e declarações feitas por Jair Bolsonaro. Como a defesa do medicamento cloroquina para doentes de covid-19.
"Nós seguíamos o que tínhamos de discutir, mas havia pelo lado do presidente uma outra visão, um outro caminho. Ele tinha suas próprias ideias. Não sei se vinham através de outros assessores. Era muito constrangedor ter que ficar explicando porque o ministério estava indo para um caminho e ele indo para o outro."
O médico declarou que a cloroquina não poderia ser defendida se não houvesse a certeza dos benefícios e dos riscos que ela oferecia. E garantiu que jamais, em sua gestão, o ministério sugeriu o uso do medicamento. "É falso que se não fizer bem, mal não faz", explicou, fazendo referência a uma aspa usada algumas vezes por Bolsonaro.
Mandetta afirmou que não era uma voz solitária entre os ministros. Disse ter apoio de outros nomes. Ele contou que muitas vezes Bolsonaro chegou a concordar com suas recomendações, mas "dois a três dias depois, ele agia de forma diferente, como se não tivesse entendido o que eu falava".
De acordo com o ex-ministro, Bolsonaro deveria ter outra fonte, algum consultor, que dava a ele recomendações que não tinham a ver com o que sugeria seu ministério ou a OMS (Organização Mundial de Saúde). "Ele falava na cloroquina, falou em isolamento vertical, que nós não éramos favoráveis."
Isolamento vertical é a estratégia, bastante defendida no início da pandemia, de deixar em casa apenas os grupos de risco: idosos e pessoas com comorbidades.
Mandetta reclamou que fez reunião com Bolsonaro nas quais seu filho, o vereador do Rio Carlos Bolsonaro (Republicanos), estava tomando notas. Citou ainda a tentativa do governo de mudar a bula da cloroquina para citá-la como tratamento da covid. "Eu imagino que fora do Ministério da Saúde ele (Bolsonaro) conseguiu alguns aconselhamenos que os pautavam na pandemia."
O depoente citou ainda a dificuldade que teve de enfrentar com a China por causa da má vontade com o país de integrantes do governo, como o ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e dos filhos do presidente Bolsonaro.
O vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), questionou o ex-ministro se houve pressão, por parte de
Bolsonaro, contra medidas relativas a covid-19, por exemplo, isolamento e quarentena. Mandetta negou.
“Não. Foi confrontado publicamente, e isso dava uma informação dúbia a sociedade. O objetivo do ministério era dar uma informação e o presidente, outra. Mas diretamente a mim somente com atos que ele o executava”, disse.
O ex-ministro da Saúde assumiu, ainda, que o país poderia estar numa situação melhor que a atual. “O SUS podia mais. Poderíamos ter feito muito mais, poderíamos ter começado a vacinação em novembro.”
Em carta enviada a Bolsonaro, Mandetta afirmou que recomendou expressamente que “a presidência da República reveja posicionamento adotado acompanhando as recomendações do Ministério da Saúde, uma vez que a adoção de medidas em sentido contrário poderá gerar colapso do sistema de saúde e gravíssimas consequências da saúde da população brasileira”.
“Tudo o que eu podia fazer, nos termos de orientar, foi feito. Agora, ele tinha provavelmente outras pessoas falando que o ministro da saúde está errado, vá por esse caminho. É uma decisão dele”, completou.
Tropa de choque
Como em todas as sessões da CPI da Covid até agora, a desta terça foi aberta com os aliados do governo do presidente Jair Bolsonaro tentando paralisar os trabalhos. Fizeram isso os três integrantes da tropa de choque: Eduardo Girão (Podemos-CE), Marcos Rogério (DEM-RO) e Ciro Nogueira (PP-PI).
Dessa vez, os temas das questões de ordem foram quetionamentos ao plano de trabalho definido na semana passada.
Fonte: R7 Noticias