Na quarta-feira (9), a Meta, controladora do Facebook, expôs ao mundo um de seus momentos mais difíceis. Em uma carta pública direcionada aos funcionários da empresa, o CEO e fundador Mark Zuckerberg anunciou que demitirá 13% da força de trabalho da empresa — cerca de 11 mil funcionários.
Na mensagem, Zuckerberg assumiu toda a responsabilidade da crise dentro da companhia e revelou que o plano é tornar a Meta "uma empresa mais enxuta e eficiente, cortando gastos discricionários e estendendo nosso congelamento de contratações até o primeiro trimestre" de 2023.
Em fevereiro já estava claro que a Meta estava em seu pior momento desde que se tornara a gigante das redes sociais. Em um único dia, a empresa perdeu US$ 232 bilhões (R$ 1,235 trilhão no câmbio atual) em valor de mercado, um valor recorde na história do mercado de ações, segundo alguns cálculos.
A queda histórica foi o resultado da divulgação de que a empresa tivera US$ 10 bilhões em perdas em sua divisão Reality Labs, responsável pelo desenvolvimento do Metaverso, que ainda não demonstrou nenhum resultado financeiro palpável, e é clássificada por investidores como uma "aposta arriscada" de Zuckerberg.
Cenário devastador
Mas a crise no Facebook é apenas uma face do problema. Outros titãs das chamadas "big techs" — as grandes empresas de tecnologia dos Estados Unidos — enfrentam situações similares: ganhos abaixo do esperado, queda de valor de mercado e instabilidade cada vez maior.
Cada uma delas se vê afetada por um cenário pantanoso, com uma guerra sem prazo de término na Europa, aumento de juros e fuga de investidores. Os resultados de tal crise podem, inclusive, modificar o equilíbrio de poder entre algumas das maiores corporações do mundo.
O Twitter enfrenta uma profunda crise desde que foi comprado por Elon Musk, que não descartou uma futura falência da empresa e demitiu metade de seus funcionários. A Amazon perdeu cerca de US$ 1 trilhão em avaliação de mercado, de acordo com a Bloomberg; enquanto a Microsft não ficou muito longe, com perdas de valor de mercado na casa dos US$ 889 bilhões (R$ 4,734 trilhões). Mesmo o TikTok, em crescimento acelerado e operado pela empresa chinesa ByteDance, diminuiu as metas de receitas para 2022.
Como resultado, todo o setor de tecnologia está demitindo em massa. Segundo um levantamento da plataforma Crunchbase, empresas do ramo já demitiram 52.000 pessoas em 2022.
Em índices gerais, em 2022 o valor de mercado da Amazon caiu 39,5%, a Meta despencou 67%, a Netflix caiu 52% e a Alphabet, controladora do Google, caiu outros 35%. A única das gigantes que enfrentou problemas menores foi a Apple, que teve perdas de 16%, e ganhou quase US$ 191 bilhões (R$ 1,016 trilhão) em valor de mercado apenas na quinta-feira (10).
As variações gigantescas são uma mostra do momento complicado que enfrenta a economia norte-americana e global, e pode se estender mais tempo do que o esperado.
"Atualmente o cenário econômico está incerto, isso decorre de inúmeros acontecimentos, como o conflito na Ucrânia, inflação pressionada, juros altos e nível de endividamento elevado dos países", avalia Lucas Lautert Dezordi, professor da PUC-PR e economista-chefe da TM3 Capital, gestora de investimentos especializada em startups.
Um cenário de instabilidade como esse afeta ainda mais fortemente as empresas de tecnologia, que atraem fundos de investimentos interessadas em crescimento acelerado. Mudanças econômicas transformam as expectativas de setores financeiros em decepção.
"Desde o início do ano, o mundo começou a subir os juros, em especial os Estados Unidos. Isso faz com que empresas de crescimento elevado sofram muito mais, uma vez que muito do valor dessas empresas está nas “expectativas de crescimento”. Entretanto, esse crescimento pode não se concretizar", completa Dezordi.
Embora seja difícil prever as movimentações cada vez mais complexas e caóticas do mercado financeiro global, é muito provável que a crise do setor se intensifique ainda mais.
"Tudo é possível! Por hora, considerando os ciclos do mercado, esse cenário deve piorar. Ainda estamos em uma fase inicial da desaceleração econômica, e não chegamos a observar nenhuma recessão de fato na economia global, o que deve acontecer no próximo ano", prevê o economista.
Fundos menores
Diante dessa turbulência, investidores apertam os cintos e procuram águas mais calmas para evitar perdas bilionárias. É o caso da gigante japonesa SoftBank, conhecida mundialmente por administrar o Vision Fund, classificado como o "maior fundo de investimento focado em tecnologia do mundo", com mais de US$ 100 bilhões (R$ 532 bilhões) de capital — quase metade dele proveniente do Fundo de Investimento Público da Arábia Saudita.
As perdas da divisão de investimentos da empresa — que também tem operações de banda larga, comércio eletrônico, telefonia fixa e TI — ficaram na ordem dos US$ 10 bilhões e a divulgação dos resultados negativos marcou também a despedida de seu fundador Masayoshi Son das decisões diárias do grupo. O CEO afirma que agora focará na gestão da fabricante de microprocessadores britânica Arm, comprada pelo SoftBank em 2016.
Son, uma figura controversa, transformou apresentações financeiras em estranhos shows visuais, um misto de ficção científica e técnicas para chamar a atenção de aliados financeiros. Mas os últimos seis meses diminuíram o ritmo de entusiasmo do Softbank, que demitiu 30% da equipe do Vision Fund e, segundo o Financial Times, "reduziu drasticamente o tamanho de seus investimentos nos últimos seis meses".
O recuo é um claro sinal de que a era dourada dos investimentos gigantescos e crescimento insanamente de startups pode mudar em breve. E pode mesmo frear o crescente poder de influência das big techs. Na avaliação de Dezordi, o próprio governo norte-americano pode ser um obstáculo mais forte do que concorrentes estrangeiras, como o TikTok, que estão "expostas a fatores similares".
"Com relação ao poder das gigantes norte-americanas de serviços de internet, recentemente elas têm sido mais afetado pelo próprio governo dos EUA, com algumas restrições de privacidade, do que apenas pelo avanço das corporações chinesas", afirmou o economista.
Fonte: R7