Juína/MT, 02 de Dezembro de 2024
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02 de Dezembro de 2024


Mato Grosso Quarta-feira, 21 de Dezembro de 2022, 10:44 - A | A

Quarta-feira, 21 de Dezembro de 2022, 10h:44 - A | A

Terras indígenas de Mato Grosso são contaminadas por agrotóxicos de lavouras da região

A população da Terra Indígena (TI) Tirecatinga, localizada na cidade de Sapezal, oeste de Mato Grosso, está sendo impactada pelo uso de agrotóxicos em lavouras no entorno da área. A região é uma das que concentra maior quantidade de agrotóxicos no país. Por meio de uma pesquisa sobre contaminações em terras indígenas e na cadeia produtiva do algodão, realizada pelo Núcleo de Estudos em Ambiente, Saúde e Trabalho, do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso (Neast/ISC/UFMT), em parceria com a Operação Amazônia Nativa (OPAN), a Associação Thutalinãnsu, das mulheres, e comunidades de Tirecatinga, foi possível detalhar o tipo de produtos utilizados e a gravidade da situação. Entre as amostras, 88% estavam contaminadas, oito de nove ervas medicinais e frutas. 

A presença de agrotóxicos na TI Tirecatinga tem provocado uma série de doenças e problemas de saúde. Em uma das aldeias, este ano, num período de três meses houve 3 inícios de aborto espontâneo. “Estamos falando de uma comunidade de 60 pessoas em que, de 10 mulheres grávidas, três tiveram início de aborto espontâneo”, destaca a professora Márcia Montanari, da coordenação da pesquisa pelo Neast da UFMT.

“O problema é que eles passam em cima da aldeia. Cai aquele sereno de veneno”, diz Leontina Nambikwara. Ela é uma das moradoras dessa aldeia que convive com a pulverização de forma direta. Por cima, por conta dos aviões que passam sem respeitar o limite de 500 metros estabelecidos na legislação federal (Instrução Normativa 02/2008 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento); frente no entorno, devido à aplicação com menos de 90 metros exigidos para pulverização terrestre na legislação estadual – decreto 1362/2012/MT.

Outros resultados à saúde observados na TI Tirecatinga e relacionados à contaminação por agrotóxicos são crises de ansiedade e depressão, problemas respiratórios, pedra na vesícula, apendicite, dores de cabeça, náuseas e enjoos, além de situações de má formação fetal e nascimento de crianças com necessidades especiais. “A gente fica preocupado sobre como vão ser formadas as nossas crianças, que tipos de doenças chegarão entre nós, que tipo de situação a gente vai estar passando com as nossas futuras gerações”, diz a presidente da Associação Thutalinãnsu, Cleide Adriana da Silva Terena.

Além dos impactos diretos às pessoas, o desenvolvimento e a saúde da fauna e da flora são outros motivos de preocupação para os indígenas. A população observa contaminações de peixes e animais de caça como porco do mato e ema, modificações no sabor do mel, baixo desenvolvimento de roçados, diminuição na reprodução e disponibilidade de frutas e plantas.

“O birici todo ano tinha, só que agora acabou. Não tem mais. E é uma fruta muito deliciosa”, diz Terezinha Amazokairo, de Tirecatinga, formada em ciências da natureza e estudiosa sobre plantas medicinais. “Na aldeia Três Jacu ficava até forradinho o chão de birici”, diz ela, contando que iam até longe coletar as frutas e faziam suco, chamado de xixa. A partir da pesquisa sobre os agrotóxicos, ela acredita ter encontrado a resposta para a escassez do birici. Agora, Terezinha pensa as formas de retomar a espécie e ao mesmo tempo se sente preocupada com outra planta, o pequi, que é muito consumido e compõe a renda das comunidades, mas quase não tem frutificado nos últimos dois anos.

Tais perdas e alterações ambientais e para a saúde representam impactos para a vida sociocultural dos indígenas de Tirecatinga. “Sair de casa pra ir na mata e pegar a planta medicinal é uma prática de caráter social forte, reatualizada no cotidiano das aldeias do povo Nambikwara”, observa a coordenadora da OPAN no projeto, Adriana Werneck Regina. “Comprometer a perpetuação dessa diversidade de plantas medicinais significa comprometer a continuidade dessas práticas, que tem a ver com a capacidade do povo ter autonomia de se cuidar, de se tratar, de se medicar, então você na verdade afeta a autonomia do povo de praticar essa medicina local, tradicional e histórica”.

Agrotóxicos proibidos

O carbofurano, proibido no Brasil desde 2017 e há mais de 50 anos na Europa e em estados americanos, foi um dos produtos encontrados nas amostras. Ele pode causar risco de morte após ingestão ou inalação, danos severos aos sistemas neurológico, respiratório e endócrino, malformação fetal em humanos, morte de animais silvestres e grande persistência ambiental. Também foi encontrada atrazina, um herbicida do grupo químico triazina que tem função dessecante, proibido na União Europeia desde 2004, e o carbendazim, fungicida altamente tóxico, que teve a comercialização suspensa no Brasil este ano para conclusão do processo de reavaliação toxicológica.

Além desses, as amostras continham acetamiprido, associado a doenças crônicas hepáticas e neurológicas, produto de grande periculosidade ambiental pela sua persistência, grande mobilidade no solo, potencial contaminação de lençóis freáticos e tóxico para minhocas e insetos polinizadores. Foi verificado ainda o methomil, inseticida altamente tóxico que pode ocasionar efeitos agudos graves à coordenação motora, tremores, convulsões e óbito após inalação em grande quantidade.

Diante desse contexto de contaminações e prejuízos em diversas dimensões da vida e do território, a professora Márcia Montanari, do Neast, afirma ser importante um acompanhamento dos profissionais de saúde visando a redução desses impactos. “É preciso que os serviços de saúde fiquem atentos ao que está acontecendo nos territórios, que informem a população e os fazendeiros do entorno pedindo que se respeitem as áreas de limite e as condições de uso para pulverização, que se respeite a legislação para que de fato existam maneiras de reduzir esse impacto, essas pressões sobre o território de Tirecatinga”, conclui.

 

 

Fonte: GD

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